terça-feira, 20 de abril de 2010

OS DESEJOS DE VINDHYACHAL (reflexão sobre o Dharma)

OS DESEJOS DE VINDHYACHAL
 

Shri Babaji Desai - Mestre Arnaldo de Almeida
 
Vindhyachal é uma cadeia de montanhas que separa a Índia do norte da Índia do sul. É uma cadeia muito importante geograficamente, uma vez que ela ajuda a regular o clima de ambas as regiões, cercando parte das correntes de ar e deixando outras fluírem através dela, pois é uma cadeia de montanhas de porte médio. 

Durante muitos séculos, Vindhyachal cumpria esse seu Dharma (missão) e se sentia muito orgulhosa por estar há tantos e tantos anos cumprindo fielmente essa função tão importante para a Índia como um todo. 

No entanto, em certo momento de sua existência, Vindhyachal começou a se preocupar com a fama de outra cordilheira presente também em território indiano: os Himalayas. Em suas reflexões, Vindhyachal começou a se interrogar: “Por que os Himalayas têm tanta fama?” “Por que todos os Yogues, desde o grande Maha Yogue Rishi Shiva, a escolheram como sua morada?” “Por que Shiva lá passava séculos em Dhyana (meditação)?” A conclusão a que chegou foi esta: “As montanhas Himalayas são tão famosas e atraem tanto os Yogues e peregrinos porque é a montanha mais alta do mundo”. 

A partir dessa conclusão, Vindhachal começou a fazer imensos sacrifícios e esforços (Tapas), entrando, continuamente, em estado profundo de Dhyana (meditação) e Ishwarapranidhana (auto-entrega), a fim de conseguir um único objetivo: crescer, crescer, crescer e superar a altura dos Himalayas. Tantos esforços, tanta concentração e tanta meditação foram premiados pela força do Dharma como Lei Universal (lei que harmoniza e integra todas as formas e seres do Universo e que premia ou coloca obstáculos no caminho dos seres presentes no Universo em função das ações que tais seres desenvolvem em suas existências). A partir de então, premiado pelo Dharma, Vindhyachal entrou em um processo de crescer, crescer, crescer e de até conseguir ficar mais alta do que a cadeia dos Himalayas, fato que a deixou imensamente orgulhosa.

Tal crescimento, porém, começou a interferir no clima do território indiano: excesso de secas no norte, excesso de chuvas no sul, as estações do ano passaram a não mais vigorar como sempre vigoraram e os habitantes do subcontinente indiano (seres humanos, animais e plantas) passaram a sofrer imensamente com tantas mudanças e com os extremos climáticos nunca antes ocorridos. Desesperados, todos os seres começaram a fazer Pujas para as deidades e para a Natureza. 

Os semideuses, então, comovidos, foram até à Trindade Hindu (Brahman – deidade da criação -, Vishnu – deidade da conservação - e Shiva – deidade da transformação) e lhes pediram ajuda. Estes disseram que não podiam interferir na ação do Dharma como lei Universal, pois o Dharma sabia como distribuir os prêmios cósmicos. A Trindade, porém, meditou sobre essa questão e percebeu que, como tudo na existência há soluções adequadas, havia uma solução também para esse caso. Essa solução, no entanto, não estava nas mãos deles e, sim, na dos humanos. A Trindade Hindu disse aos semideuses que eles deveriam recorrer ao maior sábio da Índia, ainda vivo naquela ocasião, o Munirishi Agastya, pois este sempre encontrava, com sua sabedoria adquirida em estados de Samadhi (iluminação), soluções para os Kleshas (obstáculos) de seus discípulos. Assim, os semideuses, juntamente com todos os seres, foram até Mestre Agastya e lhe pediram para resolver tal aflitiva situação.

Diante de tão veemente pedido, Agastya, que realmente era um verdadeiro Rishi (aquele que tem o coração preenchido de luz e sabedoria), prometeu resolver o impasse e, então, com a sua tranqüilidade habitual, iniciou uma peregrinação a Vindhyachal. 

Como todo movimento de peregrinação de Agastya era acompanhado e comentado por toda a Índia, imediatamente tal notícia chegou a Vindhyachal. Meditando profundamente, Vindhyachal intuiu que deveria seguir um preceito dos mais importantes na civilização hindu: receber, com todas as honras, um convidado e, como esse visitante era um Mestre, percebeu que deveria empreender todos os esforços para louvar Mestre Agastya por tão ilustre visita e, assim, Vindhyachal passou a se preparar para receber a ilustre visita em Santosha (contentamento) e em Ishwarapranidhana (auto-entrega aos preparativos para receber Mestre Agastya com amor e desprendimento). 

E o que mais poderia Vindhyachal fazer? Meditava mais ainda toda a Cordilheira. Nessas meditações, Vindhyachal recebeu ensinamentos cósmicos que lhe propiciaram perceber que Agastya já estava muito velhinho, que até chegar ao Vindhyachal estaria muito fatigado pela longa peregrinação e que, como o Vindhyachal estava tão alta, haveria até o risco de Agastya não chegar a seu topo. Em Vidya (perfeito entendimento), Vindhyachal conscientizou-se de que deveria, como todo discípulo, se curvar diante do grande Mestre. Após tomar consciência de tudo isto, Vindhyachal percebeu que deveria abaixar-se o mais possível para que Agastya a ela chegasse com o menor esforço possível e assim o fez: abaixou-se, abaixou-se, abaixou-se ... até chegar ao seu nível de altura em que sempre existiu.

Chegou, então, o grande dia ... Agastya chegou aos pés de Vindhyachal e, após três dias, já estava em seu topo. Lá chegando, fez um Puja de agradecimento aos esforços de Vindhyachal de o receber e, principalmente, de ela ter-se abaixado tanto e ter voltado à sua altura inicial, abdicando, para agradar-lhe, de uma conquista obtida com tanto esforço, disciplina e sacrifício. “Essa abdicação merece todos os louvores de mim, dos Mestres e dos Deuses”, disse comovido de coração Mestre Agastya, que, após essas palavras, sentou-se em Padmasana (posição de Lótus) e entrou em profundo estado meditativo. Vindhyachal e todos os presentes não só puderam sentir as vibrações de consciência e de sabedoria emanadas pelo Mestre Agastya, mas puderam mesmo perceber que todos os seres se regozijavam com tamanha energia que vibrava a partir do Mestre Agastya. Todas as plantas se tornaram mais verdes, as árvores, mais frondosas, as flores, mais coloridas, os animais, mais alegres, os pássaros cantaram de forma mais melodiosa, os sons do vento na folhagem e os sons das águas dos riachos e dos rios se transformaram em uma maravilhosa sinfonia e os seres humanos presentes encheram seus corações de amor e se viram inebriados de imensa felicidade. Todos, então, se prostraram diante de Mestre Agastya e lhe agradeceram imensamente por lhes propiciar a vivência de uma tão profunda experiência espiritual.

Terminada, então, sua missão, Mestre Agastya partiu em peregrinação para o Norte em direção aos Himalayas. Antes de sua partida, Vindhyachal, ainda comovida, agradecida e feliz pela experiência então vivenciada, disse para Mestre Agastya: “Que mais podemos fazer para agradecer essa visita de um Mestre tão ilustre e as experiências por todos vivenciadas?” Agastya, com o coração iluminado de amor por poder compartilhar mais aquele ato, disse: “Permaneça nessa altura que você sempre esteve, pois, quando eu voltar, estarei ainda mais velhinho e, assim, ficará mais fácil de eu chegar a seu topo”. 

E, claro, que Vindhyachal não poderia negar tal pedido. Aconteceu, porém, algo milagroso na vida da cordilheira Vindhyachal. O acontecimento com Mestre Agastya, no topo do Vindhyachal, se espalhou rapidamente por toda a Índia e, assim, todos os peregrinos começaram a se dirigir para aquela montanha, onde uma experiência espiritual tão intensa havia sido vivenciada. E não só os peregrinos para lá acorriam, mas, também, Sadhus e Mestres de toda a Índia e, mesmo, de outros países. 

A partir de então, Vindhyachal recebia tantas visitas que passou a existir em contínuo estado de Santosha (contentamento), esquecendo-se, completamente, de competir com os Himalayas e sentia-se imensamente gratificada por recepcionar Sadhus, Mestres e peregrinos que haviam ido aos Himalayas, mas que, também, faziam questão de meditar no agora famoso Vindhyachal, não se importando com sua altura.

E tudo na Índia voltou ao normal e mais uma montanha se tornou sagrada naquele fantástico País - a famosa montanha onde Mestre Agasthya entrou em Samadhi – o Vindhyachal...

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